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"Gosto de uma coisa que odeio": 0
paradoxo do desejo em Lacan
A imagem diz muito mais do que parece: um sujeito deitado no divã confessa "Gosto de uma coisa que odeio." Essa frase, por mais contraditória que pareça, expressa uma verdade profunda sobre a estrutura do desejo humano, tal como formulada por Jacques Lacan.
Lacan nos lembra que "o desejo é o desejo do Outro". Isso significa que nosso desejo não é totalmente nosso ele é atravessado pela linguagem, pela cultura e pelas relações com aqueles que nos cercam. Muitas vezes, desejamos o que nos falta, o que nos escapa ou, inclusive, aquilo que nos fere. Como o próprio Lacan escreveu: "O amor é dar o que não se tem a alguém que não o quer."
Quando o paciente da charge afirma gostar do que odeia, ele toca justamente nesse ponto onde o desejo se enrosca com o sofrimento. O gozo (jouissance, no original francês), em Lacan, é aquilo que ultrapassa o prazer é um prazer doloroso, uma satisfação que também machuca. Não raro, somos atraídos por padrões que nos fazem mal, por relações que nos frustram, por repetições que nos aprisionam. Como entender isso?
Lacan nos oferece uma pista importante ao dizer que "a verdade tem estrutura de ficção." A forma como contamos nossas histórias, nossas dores e paixões, é atravessada por fantasmas formações inconscientes que organizam o nosso modo de desejar. Muitas vezes, odiamos aquilo que gostamos porque há algo de nós mesmos depositado ali, algo que revela nossa falta, nosso ponto de angústia.
A clínica psicanalítica é, então, o lugar onde esse enigma pode ser escutado e decifrado não para que o sujeito
"corrija" seus desejos, mas para que possa se responsabilizar por eles, habitá-los de maneira mais consciente, talvez até menos dolorosa.
Como disse Lacan: "Aonde estou, penso não me encontrar."Somos divididos, paradoxais, e é nessa divisão que se encontra a potência de transformação.
30/11/2025